
De fora para dentro, um olhar da rua
15.01.2016

Paulo Alberto Nogueira tem 28 anos e 40 passagens pela polícia, "apenas de maior", diz ele. Fez muita coisa ruim; violência, ônibus queimado, tráfico e quase assassinato (o "quase" eu pergunto na próxima vez que o vir), mas diz que não se arrepende do que fez e sim do que não fez. Ele gostaria de ter estudado, usado seu potencial para o lado "bom". "Hoje se me perguntarem se eu estou reabilitado para estar em sociedade novamente eu afirmo que sim", ele fala sobre uma sociedade que prioriza jogar milho aos pombos e não olha pro homem que dorme na calçada.
Há nove anos em situação de rua, Paulo sabe o que é lidar com as pessoas. Aprendeu que se deve tratar o outro como quer que lhe trate e que essa é uma lição muito importante. "Eu prefiro gastar 50 reais com a ração do meu cachorro do que te ajudar a comer", foi uma das frases que ele ouviu na rua e que o marcou. Pra ele o ser humano é egoísta, quer sempre o melhor para si e o Brasil é um país de ladrões. Mas acredita que a humanidade pode melhorar, porque ele mesmo conseguiu.
Em quatro anos fumando crack ele chegou a 35 quilos. Para parar, ele afirma que só é preciso força de vontade: "eu te pergunto, foi difícil? Foi a coisa mais fácil do mundo. Você só tem que permitir". Paulo veio para Florianópolis em busca de emprego, de uma empresa que aceite contratar ex-detentos. Ele pouco reverencia a cidade, dá valor é a Cruz e Sousa, que lhe mostra que neste lugar tudo é possível.
"Florianópolis é uma cidade que maquia, é uma cidade enganosa. Trabalho na rua vendendo bala de goma e pirulito e há muito preconceito escondido. A pessoa que fala com você mas quer que você morra agarrado com uma granada, que fala com você com o olhar lá atrás". Paulo pensa que ninguém tem culpa, que é refém de suas próprias escolhas, mas que fica mais fácil se o outro ajudar.
"Sou um cara que hoje tem um dos maiores potenciais na rua, falo inglês e em quatro ou cinco frases consigo fazer com que alguém pare e me dê atenção". Ele gostaria de ter mais conhecimento, no tempo em que ficou preso leu 296 livros e cita artigos da constituição para basear seus argumentos. "A única coisa que tem de bom para fazer na prisão é estudar, em vez de ficar pensando em como derrubar a ponte ou matar o governador, eu pensei em como ganhar dinheiro com a minha inteligência".
"Eu achei que aqui em Floripa era tudo mundo galeguinho de olho azul, porque é essa a imagem que é vendida lá fora. Que não tem negros, não tem comunidades carentes". Ele aponta para as câmeras de segurança na rua e fala que a ilha é mostrada como a cidade mais segura do Brasil, mas que também tem tudo de ruim que uma metrópole tem; homícidios, assaltos, tráfico. Florianópolis apagou da sua história os negros e isso se reflete hoje, quando Paulo diz que o maior problema da cidade é a desigualdade.
Paulo Alberto Nogueira tem um sonho: ser advogado. Ele fez o ENEM como meio de conseguir o diploma do Ensino Médio, mas lhe faltam as oportunidades. Além disso, ele fica indignado pois para exercer o Direito é preciso ter oito anos de ficha limpa, coisa que, para ele, fere a Constituição (art. 6º, direitos sociais - educação, moradia, emprego). Quem determina isso é a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Reportagem: Júlia Orige e Oscar Führ