O trabalho honra o homem?
- Júlia Orige
- 20 de fev. de 2016
- 3 min de leitura

Moça vendendo artesanato no Centro de Florianópolis.
"O trabalho dignifica o Homem" é uma lógica perversa, que corrobora com a do "Deus ajuda quem cedo madruga". Nessas frases é possível ver muito mais que um ditado popular, aí está a história de um povo. A ideia de que trabalhar é bom está longe de ser inata do ser humano. Além do mais, é bastante nova. Escravos existiram porque era ruim trabalhar, quem era bom, nobre e rico não trabalhava!
Com a Revolução Industrial e a necessidade de mão de obra criou-se uma cultura de que o trabalho é o que torna o ser humano digno. Se as pessoas não acreditassem nisso ninguém trabalharia, não é? Pelo menos não nos moldes "Tempos Modernos". A cultura do trabalho está ligada à reforma protestante, por que ela trouxe variações da religião católica que valorizavam o trabalho e a acumulação de capital, coisa que a Igreja condenava.
"O trabalho honra o Homem" é uma das ideias que deram origem ao Capitalismo, ao mundo em que vivemos hoje. Se isso é bom ou ruim é outra história.
As pessoas creem que trabalhar é um dever e que é instrínseco à algum tipo de sofrimento. É muito comum encontrar quem se queixe da segunda-feira e comemore a sexta, pois não gosta de sua ocupação. Tem de ser assim? É uma bola de neve e poucos tem a sorte de ter oportunidade para parar e pensar.
Hoje o seu trabalho te define. Quando queremos dizer quem somos falamos nossa profissão. Claro que isso, num mundo ideal, representa o que gostamos de fazer e portanto, uma face de nossa personalidade. Mas não é tudo o que uma pessoa é. Quem você é? "Engenheiro". Será? Tudo se resume a isso?
Além da moral, temos leis que proibem a "vadiagem". Lei das contravenções penais, ainda em vigor:
Art. 59. Entregar-se alguem habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.
Não é só a consciencia coletiva que determina que o trabalho é bom, mas também a lei. Antes de mais nada é bom lembrar que quem escreve a lei são as pessoas e só por ser lei não significa que é certo. Afinal, o certo e o errado são subjetivos, eles não existem, são ideias.
A questão aqui é: por que o trabalho dignifica o Homem? Que diferença faz se no fim somos todos iguais? Uns são mais iguais que outros? Independente do que seja, de como seja e de que ideias se tenha é importante saber de onde elas vieram.
Não, trabalhar incansavelmente não é um traço da personalidade humana. Ter uma ocupação não é um pré-requisito para ser feliz e não deveria ser para ser aceito. Claro que no mundo onde vivemos hoje é impossível não fazer nada, a não ser que se recolha para a selva. Porém, uma questão leva a outra e há trabalhos mais dignos que outros. Ou é o que diz a moral da tradição. Geralmente, o bom trabalhador é o que sofre. O que passa trabalho. As expressões que usamos tem significados, passar trabalho não é algo bom. Logo o trabalho não é bom, não é prazeroso, mas ao mesmo tempo honra a pessoa. Quem sofre é que é digno de respeito. É belo sofrer. Esse é um valor básico da sociedade capitalista, ocidental, brasileira, influenciada pelos Estados Unidos e produto da globalização em que estamos.
Bibliografia:
RIBEIRO, Lúcio Ronaldo Pereira. Vadiagem. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, I, n. 0, fev 2000. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5349>. Acesso em fev 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.html (Lei da contravenção penal)
Tags: sociologia, o trabalho honra o homem, vadiagem
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